Hoje, é aqui.
Cada época tem as suas formas próprias de propaganda. Até agora, a estratégia era encontrar o que havia de comum em todas as pessoas e criar uma mensagem que encaixasse na maioria. Reduzia-se o nosso candidato aos seus melhores atributos e o seu oponente ao pior. Depois, martelava-se esta mensagem na imprensa, na rádio, em outdoors, eventos, mas especialmente na televisão.
Hoje, a estratégia é outra. A migração da televisão para a internet, fenómeno que se tem verificado a uma velocidade furiosa, impõe técnicas radicalmente diferentes. Na internet, o objectivo é encontrar os grupos específicos que queremos persuadir. Isto é o mesmo que dizer segmentar a sociedade por nichos, que podem ser divididos geograficamente (Dirijo-me a pessoas do Porto, de Lisboa, de todo o país?), demograficamente (Homens? Mulheres? Com que idades?) e, agora é que tudo muda, por palavras que procuram nos motores de busca. Isto significa que compramos palavras-chave ao Google e, sempre que alguém as procura no motor de busca, ou lê um texto online que contenha esses termos, o anúncio aparece no ecrã. Para isto funcionar, temos que analisar constantemente as palavras-chave mais procuradas e criar anúncios o mais persuasivos e personalizados possível para cada nicho de mercado eleitoral, ou comercial. Estado e mercado, cidadão e consumidor, comprar e votar, nunca foram tão parecidos como hoje.
Por exemplo, suponhamos que eu sou a gestora de comunicação de um candidato à Câmara Municipal do Porto, e tenho um programa eleitoral que defende o investimento no sector cultural. Primeiro, faço uma pesquisa para saber quais são as palavras-chave que as pessoas que trabalham ou têm interesse em cultura costumam procurar. De seguida, escolho as idades, género, localização, etc. Posso comprar palavras como “financiamento cultural Porto” e, sempre que elas forem procuradas no Google, ou a pessoa esteja a ler um texto online que contenha esses termos (seja uma notícia, conteúdo de um site institucional, um texto de um blogue), o anúncio do meu candidato aparece-lhe no ecrã. Se a pessoa clicar no anúncio, será direcionada para uma peça criativa que a minha equipa fez. Neste caso, poderia ser um vídeo com figuras públicas do sector cultural portuense (actrizes, escritores, músicos) a apoiar o meu candidato, já que o programa dele promete aumentar o financiamento dos projectos culturais da cidade.
Para além das palavras, também posso encontrar o segmento de pessoas que pretendo persuadir através do Facebook. Ou selecionando o intervalo de idades, género, localização, como no Google, ou escolhendo os grupos do Facebook a alcançar. Por exemplo, se o meu candidato tem um programa eleitoral com medidas ecológicas, poderei comprar um anúncio, que aparecerá no feed de notícias das pessoas que pertençam a grupos relacionados com ecologia. E, ao clicar no anúncio, abrir-se-á uma curta-metragem sobre as alterações climáticas ou um site animado que mostra como ficará a cidade após a implementação da medidas do programa do meu candidato.
Para que tudo isto funcione, seja para ganhar votos, seja para vender produtos, é preciso comprar constantemente dados actualizados. E para que a Google e o Facebook os possam vender aos candidatos, aos partidos, ao governo, ou às empresas, hoje, tudo o que fazemos online fica registado. Através dos computadores, tablets e dos smartphones, estas empresas registam todos os nossos movimentos, localizações, gostos, hábitos e todas as palavras que procuramos nos motores de busca.
O pernicioso é que o acesso a estes dados permite-lhes criar uma imagem de 360º da nossa pessoa. A nossa vida digital dá-lhes uma representação ainda mais nítida do que a imagem que fazemos de nós próprios, já que há milhares de acções que fazemos sem nos apercebermos delas. Assim, é fácil preverem o que vamos fazer de seguida. Nós esquecemo-nos frequentemente do que fizemos mas eles têm todos os nossos padrões de comportamento registados.
Nas anteriores eleições americanas, a compra destes dados foi o ovo de Colombo. Através de algoritmos inteligentes, que cruzam os dados e permitem fazer prognósticos sobre o comportamento dos eleitores, muitos candidatos conseguiram ganhar as eleições.
Há vários problemas nestas novas formas de propaganda. Os antigos continuam: prometer continua a não significar cumprir; e surgem novos: seduzidos por estes anúncios hiperpersonalizados, somos induzidos a comprar ou a votar inconscientemente. Basta pensarmos que, se virmos um filme cujas personagens comem doces, é mais provável que nos apeteça comer doces mal saiamos do cinema. E se, antes, apenas podiam seduzir-nos a determinadas horas e em locais específicos, agora podem fazê-lo 24 sobre 24 horas, através dos aparelhos que até para a cama levamos.
Assim, os dados que lhes oferecemos constante, voluntária, e até efusivamente, permitem-lhes fazer prognósticos sobre o nosso comportamento e condicionar-nos em níveis subconscientes.
Claro que o tempo e o dinheiro que se gasta nisto poderia ser usado para resolver os problemas efectivos das pessoas. E, para saber o que elas querem e precisam, talvez fosse mais interessante perguntares-lhes directamente, em vez de andar a descortinar-lhes a vida privada. Mais do que se aprimorarem na arte da sedução, deixarem-nas participar nas decisões políticas sobre a sua própria vida.