Humanismo.

Sempre que há uma catástrofe humana, as redes sociais impregnam-se de frases muito belas. No outro dia, apareceu-me uma, no perfil falso criado para não perder a oportunidade de ler estas coisas, que me afectou profundamente: "Vejo humanos mas não vejo humanidade”. E lembrei-me logo do meu professor do secundário que uma vez me disse que devia ser “mais humana”, em resposta a uma observação minha que dizia que “não andava aqui para libertar a humanidade da opressão. Quanto muito, aliviava a dor de cabeça do meu colega de carteira porque tinha trazido um ben-u-ron.”

“Agora, aliviar todas as dores de cabeça deste mundo?”. “Mesmo que quisesse”, disse-lhe, “que não é claramente o caso, não ia conseguir, porque o que cria dores de cabeça a uns, não cria a outros. E eliminar uma causa de dor de cabeça de uns, ia dar muitas dores de cabeça a outros. Por isso, em vez de ter a pretensão de saber e querer eliminar as dores de cabeça de toda a “humanidade”, resolvo as minhas e as do colega do lado. Pode ser que outros, ao verem como resolvi a minha, resolvam também a deles, se quiserem. Valha-me obrigá-los a resolver aquilo que eu acho que são as dores de cabeça deles! Inclusivamente, professor, sei de muita gente que precisa da dor de cabeça. Li, anteontem, que há muitos escritores que não conseguem escrever sem ela. Nos dias sem dor de cabeça, vão para a praia e põem-se a namorar. Além disso, nos dias seguintes à inactividade intelectual, ficam com uma grande dor de cabeça provocada pela frustração de não avançarem no trabalho.

E quem é que define o que é ser “mais humana”? É o professor? E se eu achar que sou mais humana por não querer que todos os “humanos” sigam a minha ideia de “humanidade”?

Já o estou a ver num alto palanque a recitar o novo “código da humanidade” e a selecionar quem fica de fora das determinações específicas.“Este não é humano, este é quase humano, este é meio humano.”

Se calhar é por isso que agora vendem tantos comprimidos para as dores de cabeça. Ou porque nunca somos suficientemente humanos ou porque, digo eu, cansamo-nos de ser demasiado humanos”.

Belos tempos.