Cheguei à igreja, desculpem, ao concerto dos We Trust, às onze e meia. Estava cheio de adolescentes muito arranjadinhos, sem cabelo à tijela. Uma espécie de mocidade portuguesa mas com telemóveis topo de gama e com ares muito relaxados. Tinham ido ouvir gospel-outkast e via-se que se sentiam muito felizes. O vocalista estava sempre a dizer “estou muito feliz”, “sejam felizes”, e tentava dançar como o Justin Timberlake, apesar de achar que estava a dançar à James Murphy. Depois, para apelar aos aplausos, fazia um movimento muito esquisito com as mãos, tipo bater palmas, mas em versão mecanizada, que parava segundos antes das palmas das mãos se tocarem. Ou seja, abro braços, fecho braços, simulo que vou dar uma salva de palmas mas afinal não dou. Era só para verem como se faz.
Entretanto, junta-se a Mariah Carey, uma rapariga que, pela expressão do vocalista, teve muita sorte em pisar o palco com ele e de poder gesticular a voz entre graves e agudos, com os olhos fechados, e movimentos faciais de sofrimento, ou outro sentimento muito profundo, cuja tradução não me sinto capaz de fazer.
Seguiu-se o pedido para ligarem as luzes dos telemóveis e, todos juntos, todos ju-un-tos, fazerem uma grande festa da escola secundária, só que, por acaso, foi na Casa da Música.
Já tinha bebido três finos para aguentar aquilo de saltos altos, vestido curto e eyeliner preto. Eu, que sou sempre a mais beta dos concertos rock (manias), parecia uma gótica industrial no meio da criançada de pulseiras de berloques e cabelinhos esticadinhos.
Bem, acabou. Com as luzes já acesas, lembrei-me do fabuloso concerto dos Pop Dell'Arte que vi, há 10 anos atrás, naquela sala, que é uma das melhores do Porto para os ver. Vou à rua, que ninguém fuma em sítios lavadinhos como este, e eu já deixei de fumar há 4 anos, mas a minha companhia não.
Volto à cena. Três minutos e X-Wife carregam os primeiros acordes. Entrou bem. Mesmo bem. Aquelas batidas electrónicas entraram-me no corpo com a intensidade que estava a precisar. Fortes e aguitarradas. Uma maravilha. Quanto à banda, toda a gente sabe que eu sou fã do Rui Maia, um músico honesto que sempre ouviu, compôs e tocou música com a elegância própria de quem se está nas tintas para a elegância. Daqueles casos raros em Portugal que vive para a música porque adora música e não porque quer ser famoso, que não é o mesmo que ser reconhecido, porque isso ele é. O baterista é muito bom, o baixista curtiu mais do que toda a gente que estava lá dentro (Fernando, estamos contigo) e o vocalista esteve à altura. Tocaram músicas de todos os álbuns e actualizaram os sons mais antigos. Não era necessário, mas ficou muito bem. As músicas mais recentes, que tentam acompanhar as tendências actuais do meio musical internacional, são pobres, mas misturadas com as outras, aguentam-se perfeitamente. É aqui que é preciso ter atenção. Os X-Wife, banda portuense de rock electrónico, na tentativa de agradar a gregos e a troianos, não se respeitaram enquanto tal e começaram a tocar todos os acordes que estavam na moda musical do momento e, às tantas, deixou de se perceber o que aquilo era. Quando se é mau, isso é uma vantagem. Quando se é bom, é uma desvantagem muito grande. As bandas têm uma identidade que é preciso respeitar, sob pena de não serem respeitadas. Por isso é que é importante não nos esquecermos de onde viemos e sabermos para onde queremos ir. O público das bandas da moda é o público da moda. Volátil, pastilha elástica. Hoje, ouve isto, amanhã, aquilo. E, na maior parte das vezes, nem está a ouvir nada. Não se pode estar à espera de um público, quando se toca para outro. Andar sempre a trocar de estilo e de amigos musicais para se apanhar o público deles é má estratégia. Um grande músico toca sozinho, para dez ou para 1000 pessoas, da mesma maneira, que é a maneira de quem ama a música, não a fama.
4 anos depois do último concerto no Porto, os X-Wife regressaram com bons acordes e puseram o público a mexer. Valeu a pena. Ficamos à espera que valha ainda mais.
13 de Dezembro, 2015.