Fazemos contas a tudo. Fazemos contas à vida e ao dinheiro. Raramente fazemos contas ao tempo. Decidi fazer a contabilidade do meu: de um dia, oito horas gasto-as a dormir, outras oito a trabalhar, e preciso de saber o que faço do resto. Viagens, revisão de livros, aulas, e, como vivo sozinha: tratar do corpo, da roupa, das compras e do jantar. Mas ainda me sobrava tempo. Perguntei-me: "O que fazes depois de acordar, quando queres descomprimir do trabalho e depois de almoçar e jantar?", A resposta estava dada. Gastava-o nas redes sociais.
Além do tempo que nos roubam e do tempo que nos tomam, o resto deixamo-lo escapar. Para mudar o hábito, procurei inspiração e resumi o plano:
1. Fazer a lista dos hábitos a mudar e focar apenas num de cada vez. 2. Compreender o que o desencadeia: antes de o fazer, o que sente? Onde está? Com quem está? O que acabou de fazer? 3. Escolher uma actividade que substitua esse hábito. 4. Repetir a nova actividade até se tornar no novo hábito.
As minhas respostas estavam dadas e as substituições escolhidas. Depois de acordar, iria caminhar. Depois do almoço, ler. Depois do jantar, conversaria com amigos, leria, veria filmes ou meditaria. Quando me sentisse aborrecida ou cansada, os motivos habituais que me levavam a entrar nas redes sociais, sairia do sítio onde estava, durante alguns minutos, para desanuviar. E assim fiz, durante 21 dias, o tempo supostamente necessário para deixar de pensar no hábito antigo e fazer automaticamente o novo. O que efectivamente aconteceu. Nas caminhadas matinais, com o Thoreau debaixo do braço, que isto de alterar hábitos exige motivações filosóficas, surgiu a pergunta: "Se toda a gente despreza as redes sociais de alguma forma, o que nos faz estar tão imersos nelas?".
Imergimos online porque precisamos de evadir-nos. Seja pela televisão, pelo jogo, pelas compras supérfluas, pelas ideias, pelo álcool ou pelas drogas, tentamos por todos os meios superar as nossas limitações humanas e afastar-nos das misérias da vida quotidiana. E precisamos dessa evasão especialmente quando estamos exaustos, porque poderíamos consegui-lo através do desporto, da arte ou da meditação. Mas, como diria Musil, o ser esgotado sente-se atraído pelo que lhe faz mal.
Isolamento
E as redes sociais podem fazer mal por três motivos essenciais: fantasia, vício e solidão. É apenas uma fantasia porque é feito de verdades parciais. Não há silêncios incómodos, copos de vinho derramados, nem desarranjos intestinais. Lá, somos todos muito felizes e anfetaminadamente sociáveis. O problema é que no campo da ficção não é possível criar relações humanas íntimas. Todos sabemos que o determina a profundidade de uma relação é a qualidade e não a quantidade das interacções.
E qualidade implica estar com a pessoa em carne e osso. Substituir a comunicação cara-a-cara pela comunicação apenas online diminui as nossas capacidades de socialização e provoca isolamento. E não é o isolamento dos orgulhosamente não-conformistas, das mentes reflexivas, ou do estóico solitário. É a solidão. E é aqui que as redes sociais se podem tornar viciantes. Quando as utilizamos porque nos sentimos sozinhos, mas estamos cada vez mais isolados por lá estarmos.
O meu objectivo não é juntar-me à paranoia anti-redes que as acusam de ser uma cominação que ataca a população inocente. É apenas uma tecnologia e, como tal, nós é que escolhemos como a usamos. A questão é que nós podemos escolher aquilo a que prestamos atenção e em que gastamos o tempo. Porque na vida contemporânea é extremamente difícil mantermo-nos conscientes e alerta, não nos afastarmos das fontes humanas de felicidade: contacto com a natureza, liberdade e relações humanas íntimas, e não ficarmos hipnotizados por uma orgia deslumbrante de ilusões.
Eu sei por que te calas.
Há uma pergunta que assola o debate contemporâneo sobre a participação política: porque é que, apesar de sermos livres para nos insurgirmos contra este sistema político, que é totalmente injusto e contrário aos nossos interesses, continuamos calados? Há duas respostas clássicas a esta pergunta. E outra, que é a minha.
Há quem pense que os meios de comunicação social, a igreja, a escola e outros aparelhos ideológicos do Estado exercem uma influência tal que acabamos por acreditar nos valores que justificam a nossa própria subserviência. Esta teoria afirma, por exemplo, que nós acreditamos que estamos desempregados porque não somos suficientemente empreendedores. Outros sustentam que estamos calados porque acreditamos que esta ordem social é natural e que, independentemente do que façamos, os poderosos continuarão a mandar e os pequenos a obedecer.
Estas duas teses têm em comum o facto de afirmarem que estamos convencidos. Ou convencidos que este é o melhor sistema, ou que não há alternativa. Ou seja, estamos enclausurados numa teia ideológica que nos leva a ler o mundo de uma forma contrária aos nossos próprios interesses. Mas isso é condescendência da elite intelectual e económica. Pensar que estamos calados porque não compreendemos o que nos está a acontecer é típico de pensadores de gabinete. Ou de quem precisa justificar os privilégios da sua posição.
A nossa aparente subordinação é uma estratégia de sobrevivência, um teatro que nos dispomos encenar para nos protegermos das represálias a que estamos diariamente sujeitos. Isto pode acontecer no trabalho, para não sermos despedidos, em casa, para evitarmos uma agressão doméstica, ou na escola, para o professor não nos dar má nota.
Nós apenas podemos falar, insultar e revoltarmo-nos em espaços protegidos, onde quem exerce o poder sobre nós não nos oiça. Ou, em espaços vigiados, utilizando uma linguagem disfarçada, rumores, ameaças ou acções anónimas, entre outras formas de resistência. É a nossa guerra de guerrilha. E se acreditássemos que uns nasceram para mandar e outros para obedecer, não criaríamos poemas transgressores, canções de intervenção, ditos populares, peças de teatro satíricas ou utopias que ecoam um mundo imaginário onde ninguém pode exercer poder sistemático sobre ninguém.
É precisamente este discurso oculto, como lhe chama James Scott, o cimento para a acção política que, com determinadas condições, será trazido para o espaço público e que dá origem a reais transformações sociais. Não é de estranhar, portanto, que a maior preocupação dos governos autoritários seja vigiar todos os nossos passos, para não conseguirmos criar espaços próprios que permitam o seu desenvolvimento.
Até ao dia em que alguém tiver a coragem, ou a loucura, de dizer publicamente o que dizemos todos os dias clandestinamente, continuemos, pois, a alimentar as nossas conversas, em casa ou no café, as nossas associações, os nossos livros, as nossas músicas, os nossos eventos de iniciativa popular ou outros espaços nos quais somos livres de dizer o que realmente pensamos. Reforcemos os nossos espaços, que são agora de liberdade oculta, mas também a génese dos nossos espaços futuros de liberdade pública. E nesse dia, que alguém igual a nós se arriscar a trazer à luz o discurso reprimido, será a festa da libertação. Pode ser apenas um dia em que não tenhamos que fingir uma atitude de deferência. Mas também pode ser o primeiro dia da revolução.
Estas duas teses têm em comum o facto de afirmarem que estamos convencidos. Ou convencidos que este é o melhor sistema, ou que não há alternativa. Ou seja, estamos enclausurados numa teia ideológica que nos leva a ler o mundo de uma forma contrária aos nossos próprios interesses. Mas isso é condescendência da elite intelectual e económica. Pensar que estamos calados porque não compreendemos o que nos está a acontecer é típico de pensadores de gabinete. Ou de quem precisa justificar os privilégios da sua posição.
A nossa aparente subordinação é uma estratégia de sobrevivência, um teatro que nos dispomos encenar para nos protegermos das represálias a que estamos diariamente sujeitos. Isto pode acontecer no trabalho, para não sermos despedidos, em casa, para evitarmos uma agressão doméstica, ou na escola, para o professor não nos dar má nota.
Nós apenas podemos falar, insultar e revoltarmo-nos em espaços protegidos, onde quem exerce o poder sobre nós não nos oiça. Ou, em espaços vigiados, utilizando uma linguagem disfarçada, rumores, ameaças ou acções anónimas, entre outras formas de resistência. É a nossa guerra de guerrilha. E se acreditássemos que uns nasceram para mandar e outros para obedecer, não criaríamos poemas transgressores, canções de intervenção, ditos populares, peças de teatro satíricas ou utopias que ecoam um mundo imaginário onde ninguém pode exercer poder sistemático sobre ninguém.
É precisamente este discurso oculto, como lhe chama James Scott, o cimento para a acção política que, com determinadas condições, será trazido para o espaço público e que dá origem a reais transformações sociais. Não é de estranhar, portanto, que a maior preocupação dos governos autoritários seja vigiar todos os nossos passos, para não conseguirmos criar espaços próprios que permitam o seu desenvolvimento.
Até ao dia em que alguém tiver a coragem, ou a loucura, de dizer publicamente o que dizemos todos os dias clandestinamente, continuemos, pois, a alimentar as nossas conversas, em casa ou no café, as nossas associações, os nossos livros, as nossas músicas, os nossos eventos de iniciativa popular ou outros espaços nos quais somos livres de dizer o que realmente pensamos. Reforcemos os nossos espaços, que são agora de liberdade oculta, mas também a génese dos nossos espaços futuros de liberdade pública. E nesse dia, que alguém igual a nós se arriscar a trazer à luz o discurso reprimido, será a festa da libertação. Pode ser apenas um dia em que não tenhamos que fingir uma atitude de deferência. Mas também pode ser o primeiro dia da revolução.
A mulher e a sua propriedade.
Queria Catarina,
Entretanto, decidem viver juntos. Ao esforço emocional, acresce o esforço físico. Compras as matérias-primas para as refeições e para a limpeza da casa. Cozinhas, limpas, passas a ferro, serves as refeições e lavas a loiça. O teu novo trabalho não tem horário, não tem direitos de doença ou despedimento e muito menos remuneração. Fá-lo gratuitamente todos os dias na esperança de seres recompensada com amor e compaixão. É neste momento que começas a ficar exausta e, como verificas que o relacionamento está a piorar, esforças-te ainda mais, tentado agradar de todas as formas. Pode ser também neste momento que decides abandonar o teu trabalho para te dedicares a tempo inteiro ao companheiro, à casa e aos filhos. Se já tinhas perdido a independência emocional, agora também perdes a independência financeira. Tal como os escravos, trocas trabalho por um tecto e comida, tens de estar disposta sexualmente e ouvir frases como “A única coisa que sabes fazer é pedir dinheiro.” Ou “Mas porque é que estás cansada se estiveste todo o dia em casa?”
Pode chegar o dia em que pensas que isto aconteceu porque não és suficientemente bonita ou inteligente, que tens uma tendência natural para a depressão, para o histerismo ou mesmo para a loucura. Mas não acredites nisso. Esta história não é sobre beleza ou inteligência mas sobre autonomia, sobre o sacrifício que fazemos para recebermos do companheiro aquilo que precisamos de dar a nós próprias.
Para que isto não aconteça contigo, emancipa-te. Mantém a tua independência. Não importa se fazes “telemarketing”, se serves às mesas ou és empresária. Orgulha-te da capacidade que tens de sustentar-te. Não faças o trabalho doméstico que compete ao teu companheiro. Se ele não o fizer, não te apoquentes. Trata da tua comida e da tua roupa e segue em frente. Não te isoles dos teus amigos ou da tua família. Para não dependeres emocionalmente da outra pessoa, partilha o teu amor com outras pessoas, animais, natureza, música, livros, desporto ou outras paixões. Não controles nem deixes que te controlem. Prioriza sempre a tua dignidade, porque ela é, no fim de contas, a coisa mais importante que possuis.
Gada.

In Jerusalém, Gonçalo M Tavares.
A minha alma inunda-se de uma serenidade maravilhosa, harmonizando-se com a das doces manhãs primaveris que procuro fruir com todas as minhas forças. Estou só e abandono-me à alegria de viver nesta região criada para as almas iguais à minha. Sou tão feliz, meu amigo, e de tal modo mergulhado no tranquilo sentimento da minha própria existência, que esqueci a minha arte. Neste momento, ser-me-ia impossível desenhar a coisa mais simples; e, no entanto, nunca fui tão grande pintor.
Werther, Goethe.
Subscrever:
Mensagens (Atom)