Aqui, só morre à fome quem não tem comida.

Acabei de ler isto ao meu colega de trabalho, que me respondeu, no seu habitual sorriso humorístico: “Depois, diz que queres ter amigos”. Mas aqui vai na mesma. Daqui a meia dúzia de anos, sou eu que estou debaixo da terra e, se não tiver dito o que penso, não terei servido para nada.

Quantos de nós estaríamos dispostos a morrer por uma causa?, pergunta a Patrícia Fonseca. Eu é que não, repondo. Se o senhor se quer suicidar, é lá com ele. Mas isso não servirá para causa nenhuma, como todos sabemos. Vão andar aí no Facebook a partilhar coisas muito apaixonadas durante dois dias e, depois, nunca mais ninguém se lembra dele.

Isto faz-me lembrar uma passagem d´A violência e o escárnio, do Cossery.

“-Sei apenas duas coisas muito simples, disse Heikal. O resto não tem importância.

(…)

-A primeira é que o mundo onde vivemos é regido pela mais ignóbil quadrilha de tratantes que alguma vez pisou o chão deste planeta.

-Subscrevo por inteiro essa afirmação. E a segunda?

-A segunda é esta: acima de tudo, convém não os levarmos a sério; é isso que eles querem, que os levemos a sério.”

Façamos a apologia da desobediência sem sacrifício. Os espaços insubmissos devem ser alegres, de escárnio e dos prazeres da vida. A mudança do sistema nunca será feita por quem retira vantagens dele, mas resistindo e ajudando à criação dos sítios alternativos onde queremos estar. Viver num mundo à parte não é autismo, é viver mais num mundo criado por nós, e menos no criado por eles. Alimentemos os nossos espaços e os discursos que rejeitam a violência do consenso do discurso dominante. Discursos esses que não precisam, nem devem, ser tristes. Parodiar, rir, descredibilizar, também é desobedecer.

Eu sei que o senhor tem todo o direito de morrer pela causa que quiser. Por mim, estava a escrever e a tocar músicas de intervenção, dentro ou fora da prisão, que inspirassem umas cabeças redondas. É que andar com o mundo às costas é um desperdício de energia que não tem qualquer efeito prático, a não ser dores na coluna.