Sábias teorias destinadas a consolar a miséria do povo.

Tenho um amigo que vai a todas as manifestações, pinta murais nas paredes para defender os angolanos, faz instalações humanas a escrever a palavra Sim, para ajudar os gregos, é moderador em debates que falam sobre a solidariedade feminista, organiza festivais de cinema anti-racistas, assina 3755 petições online todos os dias e outras coisas hiper dinâmicas e sensibilizadoras. Nunca vi a vida de nenhum angolano nem de nenhum grego melhorar por causa dessas coisas. Eu acho que foi a resistência, associativa e artística, e a desobediência dessa gente, que a fez conquistar o que tem. Se calhar, os direitos dos trabalhadores foram conquistados pelos trabalhadores (nas greves), e não com a "mudança das mentalidades" dos homens, brancos, classe média/alta, e blá blá blá. Se não, hoje, teríamos mais direitos que ontem, o que não me parece estar a acontecer.

O partido dele até tem um slogan engraçado para as casas abandonadas do Porto “Tanta casa sem gente e tanta gente sem casa!”

No outro dia, porque os parques aqui custam 100€ por mês, e eu já gasto duzentos em gasóleo e portagens, pedi-lhe para me emprestar o lugar de estacionamento, que está quase sempre vazio, porque ele não tem carro, e não me respondeu. Pensei que não tinha visto a mensagem. Passado uma semana, perguntei-lhe o mesmo. Também não me respondeu.

Fiquei triste por ter que começar a fazer a viagem de comboio, já que demoro o dobro do tempo a chegar ao trabalho. Mas tive uma ideia libertadora que me ajudou a recuperar do desgosto. Vou fazer uma manifestação, e, quiçá, elaborar um projecto de lei de iniciativa popular para se poder ocupar todos os lugares de estacionamento vazios deste país.

O slogan será “Tanto parque de estacionamento sem carros e tanta gente sem parque de estacionamento!”

Já me sinto muito melhor.