Levar na cabeça.

“-Gosto muito de bater na cabeça das pessoas com uma certa força.
-Gosta?
-Sim, agrada-me. Dá-me prazer. Uma pessoa vai a passar e eu chamo-a: ó, desculpe, Vossa Excelência?!
(…)
-Ela aproxima-se e pergunta-me: o que pretende? E eu, com toda a educação e não querendo esconder nada, digo: gostava de bater com certa força na cabeça de Vossa Excelência. É isso que eu digo, apenas. Nem mais uma palavra.
(…)
-E o que acontece?
(…)
-O que acontece é isto (…) eles, sem excepção, passado esse momento de silêncio, respondem: ok.
(…)
-Sim, é surpreendente, no mínimo.
-E o que acontece depois? Sempre lhes bate com força na cabeça?
-Sim, bato.
-E eles?
-Ficam quietos até eu parar de lhes bater com força na cabeça.
-E depois?
-Depois vão-se embora.
-Vão-se embora?
-Sim, continuam o seu percurso.
(…)
-Sim. Uma vez tentei fazer isso no campo. (…).
-Começo a esfregar as mãos e a pensar: aí vem alguém a quem vou poder bater com uma certa força na cabeça (…).
- (…) E o camponês fica em silêncio durante alguns segundos, exactamente como os da cidade, e depois desse silêncio de reflexão responde (veja bem!): NÃO.
-Não?
-Exacto. NÃO. Não quer que eu lhe bata com certa força na cabeça.
-Isso é incrível.
-É. Por isso é que eu gosto mais de viver na cidade.
-Os camponeses são mais fechados, não é?
-Sim, muito mais."

O atraso do campo, Gonçalo M. Tavares, em O Torcicologologista, Excelência.