Quando somos crianças, desconhecemos tudo. Superamos o medo do novo, uma a uma coisa. Tenho medo da distância do tampo do banco até ao chão. Depois de saltar a primeira vez, percebo que a distância não é assim tão grande. Perco o medo. A última superação infantil é a do medo dos pais.
Mal superamos os nossos medos reais, arranjamos logo coisas fictícias que nos amedrontem. Agora, o que tememos é a consciência, as crenças, as ideias, as representações. Ou seja, arranjamos novos pais para temer. E construímo-los perfeitos, para não termos a possibilidade de os superar.
Sentindo-nos impotentes perante os nossos medos ficcionados, entramos no vazio.
Para sairmos dele, para voltarmos a sermos livres, temos que destruir essas ideias, essas crenças, essas representações. As maiores barbaridades que o ser humano fez teve sempre como justificação uma delas.
Isto faz-me lembrar a frase do Godard que diz "Pas une image juste, juste une image" (não uma imagem justa, só uma imagem), porque a justiça, que é uma ideia, foi inventada por alguém. E esse alguém não fui eu, pelo que não é a minha justiça mas a justiça de quem a criou. Se a justiça portuguesa tivesse sido inventada pelos pobres, só haveria ricos nas prisões. Como foi inventada pelas elites, são os pobres que lá estão.
É por isso que eu não adoro nada, especialmente ideias. Quanto menos adoramos, e quanto mais experienciamos, ou apenas apreciamos, menos ficções de perfeições temos para alcançar. E menos vazios há para preencher.