Em Portugal, há dois tipos de pessoas que podem dizer aquilo que pensam. Os que têm quem lhes pague as contas ou os que não têm medo de viver na miséria.
Os primeiros são aqueles que passam a vida a achar que estão a denunciar o sistema mas só fazem discursos bolinha de sabão, que estouram e desaparecem no ar. Os segundos são os malucos.
Muitas palavras, pouca diferença.
Nunca se falou tanto e nunca as conversas foram tão iguais.
A internet, ao aumentar o número e a velocidade da troca de palavras, subtraiu a sua complexidade.
Para se criar sentido, pensar no que o outro diz, é preciso tempo.
Nunca estivemos tão perto uns dos outros e nunca houve tão pouca proximidade.
A internet, ao aumentar o número e a velocidade da troca de palavras, subtraiu a sua complexidade.
Para se criar sentido, pensar no que o outro diz, é preciso tempo.
Nunca estivemos tão perto uns dos outros e nunca houve tão pouca proximidade.
Para apreciarmos alguém, com os olhos ou com a imaginação, precisamos de o ver à distância.
Quando mais perto estamos de uma coisa, menos a conseguimos ver. Fica restrita a uma pequena parte ou desfocada.
Proximidade exige sentido. E o sentido só se cria quando nos demoramos no outro e quando nos distanciamos dele.
Carreguem as armas, tragam os amigos.
Nirvana, Smells Like Teen Spirit
With the lights out, it´s less dangerous
Here we are now, entertain us
Demora-te numa.
Dantes, fazia-se zapping entre canais de televisão, agora faz-se entre pessoas no Facebook.
One, two, three.
The Doors, Gloria. (Live)
Did you hear about my baby? She come around,
She come round here, the head to the ground?
Hierarquias sociais.
Os arrumadores de carros aqui, na universidade, estão sempre à espera da moedinha. Os meus amigos deputados estão sempre à espera da noticiazinha. Os primeiros dizem que é para ajudar a avó doente, os segundos dizem que é para ajudar todas as avós doentes deste país.
Não há pão para condescendência.
Quero agradecer a todos e a todas cuja profissão de "alerta para os problemas mundiais" me fez perceber a existência de corrupção no governo português e no governo angolano. É que ainda ninguém tinha percebido. Lançam livros a explicar, fazem vídeos a explicar, desenham bonecos a explicar. Nós queremos lá saber se o roubo é feito à meia noite a fazer swaps ou se é às quatro da tarde a comprar opções exóticas. Nós participamos cada vez menos no vosso sistema porque achamos que vocês não mudariam nada (ainda estamos à espera da Grécia) e não porque somos atrasados mentais. Se vocês, como alguns dos bons, usassem o dinheiro, o poder e o tempo que têm para apoiar associações que ajudam a resolver os problemas das pessoas, em vez de o gastarem em panfletos e festinhas de estudantes, se calhar, davamo-vos alguma credibilidade. Podem ajudar a resolver os problemas legais dos imigrantes, responder a questões que ajudem as pessoas nas ameaças de despedimento, ajudar as mulheres vítimas de violência doméstica a encontrar um sítio para ficar, criar espaços onde os artistas fora do circuito do capital possam expor e desenvolver o que fazem, e mais não sei quantas formas de empoderamento, que podem ser bem alegres e dispensam o vosso ar de este-mundo-é-incrivelmente-injusto-e-eu-vou-fazer-vos-perceber-onde-nasce-a-injustiça. Nós já sabemos, nós já sabemos. Só queremos viver com menos opressão e um pouco melhor, hoje, de preferência, que, ao que parece, esperar pelo amanhã nunca deu muito bom resultado.
Liberdade de expressão, i love you.
Tenho recebido várias mensagens assustadas, indignadas e/ou ameaçadoras por causa dos textos que publico aqui. A maior parte do pessoal que mas enviou tem a foto do Luaty Beirão no perfil do Facebook.
Vamos ao circo, meu amor.
"Heikal, porém, não era um ocioso; na verdade andava regularmente ocupado a desmontar o lado burlesco das acções humanas. Este mundo bobo agradava-lhe. Teria até sido muito infeliz apreendendo a mais ínfima parte da razoabilidade no que via ou ouvia em seu redor. Às vezes, ao ler uma notícia mais ou menos sensata, ficava logo enfadado. O permanente espectáculo da estúpida loucura dos homens deliciava-o; sentia-se como uma criança no circo, encarando assim a existência como uma coisa muitíssimo divertida."
Albert Cossery, in A violência e o escárnio.
Albert Cossery, in A violência e o escárnio.
Prémios para todos.
O maior presente que se pode dar a um escritor anti-sistema é um prémio para ele recusar.
"O respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho?"*
Boa noite gente séria e preocupada com o mundo em geral. Vou ali comer umas fatias de queijo e fazer umas festas na barriga do meu cão, que não sai daquela posição enquanto eu não lhe satisfizer os desejos. Ou deixo-o de barriga para o ar e vou dormir na mesma, que amanhã acordo cedo para comprar comida ou ler filosofia, depende da quantidade de fome que tiver. Logo vejo.
*in FMI, José Mário Branco.
*in FMI, José Mário Branco.
Aqui, só morre à fome quem não tem comida.
Acabei de ler isto ao meu colega de trabalho, que me respondeu, no seu habitual sorriso humorístico: “Depois, diz que queres ter amigos”. Mas aqui vai na mesma. Daqui a meia dúzia de anos, sou eu que estou debaixo da terra e, se não tiver dito o que penso, não terei servido para nada.
Quantos de nós estaríamos dispostos a morrer por uma causa?, pergunta a Patrícia Fonseca. Eu é que não, repondo. Se o senhor se quer suicidar, é lá com ele. Mas isso não servirá para causa nenhuma, como todos sabemos. Vão andar aí no Facebook a partilhar coisas muito apaixonadas durante dois dias e, depois, nunca mais ninguém se lembra dele.
Isto faz-me lembrar uma passagem d´A violência e o escárnio, do Cossery.
“-Sei apenas duas coisas muito simples, disse Heikal. O resto não tem importância.
(…)
-A primeira é que o mundo onde vivemos é regido pela mais ignóbil quadrilha de tratantes que alguma vez pisou o chão deste planeta.
-Subscrevo por inteiro essa afirmação. E a segunda?
-A segunda é esta: acima de tudo, convém não os levarmos a sério; é isso que eles querem, que os levemos a sério.”
Façamos a apologia da desobediência sem sacrifício. Os espaços insubmissos devem ser alegres, de escárnio e dos prazeres da vida. A mudança do sistema nunca será feita por quem retira vantagens dele, mas resistindo e ajudando à criação dos sítios alternativos onde queremos estar. Viver num mundo à parte não é autismo, é viver mais num mundo criado por nós, e menos no criado por eles. Alimentemos os nossos espaços e os discursos que rejeitam a violência do consenso do discurso dominante. Discursos esses que não precisam, nem devem, ser tristes. Parodiar, rir, descredibilizar, também é desobedecer.
Eu sei que o senhor tem todo o direito de morrer pela causa que quiser. Por mim, estava a escrever e a tocar músicas de intervenção, dentro ou fora da prisão, que inspirassem umas cabeças redondas. É que andar com o mundo às costas é um desperdício de energia que não tem qualquer efeito prático, a não ser dores na coluna.
Quantos de nós estaríamos dispostos a morrer por uma causa?, pergunta a Patrícia Fonseca. Eu é que não, repondo. Se o senhor se quer suicidar, é lá com ele. Mas isso não servirá para causa nenhuma, como todos sabemos. Vão andar aí no Facebook a partilhar coisas muito apaixonadas durante dois dias e, depois, nunca mais ninguém se lembra dele.
Isto faz-me lembrar uma passagem d´A violência e o escárnio, do Cossery.
“-Sei apenas duas coisas muito simples, disse Heikal. O resto não tem importância.
(…)
-A primeira é que o mundo onde vivemos é regido pela mais ignóbil quadrilha de tratantes que alguma vez pisou o chão deste planeta.
-Subscrevo por inteiro essa afirmação. E a segunda?
-A segunda é esta: acima de tudo, convém não os levarmos a sério; é isso que eles querem, que os levemos a sério.”
Façamos a apologia da desobediência sem sacrifício. Os espaços insubmissos devem ser alegres, de escárnio e dos prazeres da vida. A mudança do sistema nunca será feita por quem retira vantagens dele, mas resistindo e ajudando à criação dos sítios alternativos onde queremos estar. Viver num mundo à parte não é autismo, é viver mais num mundo criado por nós, e menos no criado por eles. Alimentemos os nossos espaços e os discursos que rejeitam a violência do consenso do discurso dominante. Discursos esses que não precisam, nem devem, ser tristes. Parodiar, rir, descredibilizar, também é desobedecer.
Eu sei que o senhor tem todo o direito de morrer pela causa que quiser. Por mim, estava a escrever e a tocar músicas de intervenção, dentro ou fora da prisão, que inspirassem umas cabeças redondas. É que andar com o mundo às costas é um desperdício de energia que não tem qualquer efeito prático, a não ser dores na coluna.
Pessoas ou ideias.
Hoje em dia, com a informação digital, alguns professores universitários acham que o exercício da sua profissão se resume a verificar mecanicamente os trabalhos dos alunos. Põem os textos num programinha de computador para verificar a percentagem de plágio (ou citações) e, mesmo não tendo lido as obras dos autores, falam como já os conhecessem bem. O problema é que os nomes apenas servem para direitos de propriedade. O que interessa são os raciocínios, a interpretação e a relação entre as ideias deles, com as ideias de outros, e com as nossas. Isto é do campo da universidade. O relacionamento entre os autores há-de ser mais do das revistas do coração.
Viciados em evidências.
O trânsito está parado na A1 e tenho uma fila gigantesca à minha frente. A rádio não pára de falar das novas descobertas científicas. É o café que agora faz bem e depois já faz mal, é dormir que hoje é bom para a saúde mas a descoberta de ontem disse que não, é a cerveja que diminui a probabilidade das mulheres virem a ter acidentes cardiovasculares cerebrais, mas aos homens não faz diferença. Há descobertas científicas para o menino e para a menina, para todos gostos e feitios. Provar que os homens brancos europeus fazem palavras cruzadas mais rapidamente do que as mulheres africanas é uma evidência que se pode provar cientificamente. O problema é que isso é o mesmo que provar que há fome em África. O mais perigoso desta suposta legitimação científica de tudo e mais alguma coisa é confundir mais do que permitir a compreensão, o que é muito útil para se vender produtos e aplicar-se medidas políticas duvidosas. Por isso é que as estatísticas, as evidências, os dados, por si, sem pensamento, sem teoria, sem narrativa, não só não servem para nada como podem ser altamente perniciosos. Duvide-se de tudo. Mesmo que a dúvida não possa ser comprovada cientificamente.
Carta aos amigos.
Curiosa população,
Quando comecei a trabalhar na Time Out, uma enfiada de gente super trendy aproximou-se de mim porque achava que ser amigo de alguém que trabalhava numa revista lhe acrescentava alguma coisa à vida.
Agora, que trabalho na universidade, começa a brotar um conjunto desconhecido de pessoas que me trata como se eu fosse a presidente da câmara. O mais estranho é isso acontecer com as mesmas pessoas que me tratavam com condescendência quando vendia publicidade para pagar as contas da casa.
Sobre isto, só tenho uma coisa a dizer: só faço amizade com quem quereria passar uma tarde à conversa comigo, mesmo que eu fosse mendiga. O resto, dispenso.
Obrigadíssima.
Quando comecei a trabalhar na Time Out, uma enfiada de gente super trendy aproximou-se de mim porque achava que ser amigo de alguém que trabalhava numa revista lhe acrescentava alguma coisa à vida.
Agora, que trabalho na universidade, começa a brotar um conjunto desconhecido de pessoas que me trata como se eu fosse a presidente da câmara. O mais estranho é isso acontecer com as mesmas pessoas que me tratavam com condescendência quando vendia publicidade para pagar as contas da casa.
Sobre isto, só tenho uma coisa a dizer: só faço amizade com quem quereria passar uma tarde à conversa comigo, mesmo que eu fosse mendiga. O resto, dispenso.
Obrigadíssima.
Sábias teorias destinadas a consolar a miséria do povo.
Tenho um amigo que vai a todas as manifestações, pinta murais nas paredes para defender os angolanos, faz instalações humanas a escrever a palavra Sim, para ajudar os gregos, é moderador em debates que falam sobre a solidariedade feminista, organiza festivais de cinema anti-racistas, assina 3755 petições online todos os dias e outras coisas hiper dinâmicas e sensibilizadoras. Nunca vi a vida de nenhum angolano nem de nenhum grego melhorar por causa dessas coisas. Eu acho que foi a resistência, associativa e artística, e a desobediência dessa gente, que a fez conquistar o que tem. Se calhar, os direitos dos trabalhadores foram conquistados pelos trabalhadores (nas greves), e não com a "mudança das mentalidades" dos homens, brancos, classe média/alta, e blá blá blá. Se não, hoje, teríamos mais direitos que ontem, o que não me parece estar a acontecer.
O partido dele até tem um slogan engraçado para as casas abandonadas do Porto “Tanta casa sem gente e tanta gente sem casa!”
No outro dia, porque os parques aqui custam 100€ por mês, e eu já gasto duzentos em gasóleo e portagens, pedi-lhe para me emprestar o lugar de estacionamento, que está quase sempre vazio, porque ele não tem carro, e não me respondeu. Pensei que não tinha visto a mensagem. Passado uma semana, perguntei-lhe o mesmo. Também não me respondeu.
Fiquei triste por ter que começar a fazer a viagem de comboio, já que demoro o dobro do tempo a chegar ao trabalho. Mas tive uma ideia libertadora que me ajudou a recuperar do desgosto. Vou fazer uma manifestação, e, quiçá, elaborar um projecto de lei de iniciativa popular para se poder ocupar todos os lugares de estacionamento vazios deste país.
O slogan será “Tanto parque de estacionamento sem carros e tanta gente sem parque de estacionamento!”
Já me sinto muito melhor.
O partido dele até tem um slogan engraçado para as casas abandonadas do Porto “Tanta casa sem gente e tanta gente sem casa!”
No outro dia, porque os parques aqui custam 100€ por mês, e eu já gasto duzentos em gasóleo e portagens, pedi-lhe para me emprestar o lugar de estacionamento, que está quase sempre vazio, porque ele não tem carro, e não me respondeu. Pensei que não tinha visto a mensagem. Passado uma semana, perguntei-lhe o mesmo. Também não me respondeu.
Fiquei triste por ter que começar a fazer a viagem de comboio, já que demoro o dobro do tempo a chegar ao trabalho. Mas tive uma ideia libertadora que me ajudou a recuperar do desgosto. Vou fazer uma manifestação, e, quiçá, elaborar um projecto de lei de iniciativa popular para se poder ocupar todos os lugares de estacionamento vazios deste país.
O slogan será “Tanto parque de estacionamento sem carros e tanta gente sem parque de estacionamento!”
Já me sinto muito melhor.
Com menos imagens, vê-se melhor.
Está tudo de olhos abertos no centro de oftalmologia do Hospital de Santo António. São todos mais velhos do que eu e só uma criança está agarrada ao telemóvel. Ou lêm, conversam com a pessoa que está ao lado, ou ouvem rádio. Há quem olhe para o nada, que é o momento em que se vê tudo. No tempo da hipervisibilidade, a cegueira aumentou. Mas vê-se bem aqui, na sala de espera do centro de oftalmologia.
Em casa, não gosto de ti.
O comportamento público dos casais mostra como a maioria das pessoas se compromete para obter estatuto social e não porque apreciam quem está ao lado. Há tantas formas de afirmação social que não dependem da utilização do outro. Não percebo porque escolhem esta.
Por aí.
Hoje, perguntaram-me porque ando sempre nos livros. Isto começou na escola. Era o único sítio onde gostava de estar, quando era criança. Agora, acho que é igual. Só que sento-me em mais sítios.
Antinomia.
Quando amamos, parte de nós morre. O amor transforma-nos porque alienamos alguma da nossa natureza e tornamo-nos portadores de parte da natureza do outro. Não é a apropriação do outro mas a transformação de nós mesmos, resultante da antinomia.
A entrada no outro coloca-nos no desconhecido.
E é no desconhecido que nos vulnerabilizamos.
Por isso, o amor não pode ser terno, doce, tranquilo e todos os nomes que a romantização e a domesticação o querem chamar.
O sujeito narcísico da sociedade actual, ao lutar contra todos os sentimentos negativos, reduziu o amor a um objecto de consumo.
A pornografia é um exemplo disso. Estamos cada vez mais nus e nunca houve tão pouco erotismo. O rosto pornográfico não tem expressão nem mistério. Um corpo nu é um corpo nu. É a sexualidade sem mais. Aí, somos todos iguais. No que nos difere é que nasce o erotismo.
No inferno do igual, contra a violência do consenso, vestir, pensar, ritualizar é transformar.
Frente à coacção da conformidade higienista, amar é transgredir.
A entrada no outro coloca-nos no desconhecido.
E é no desconhecido que nos vulnerabilizamos.
Por isso, o amor não pode ser terno, doce, tranquilo e todos os nomes que a romantização e a domesticação o querem chamar.
O sujeito narcísico da sociedade actual, ao lutar contra todos os sentimentos negativos, reduziu o amor a um objecto de consumo.
A pornografia é um exemplo disso. Estamos cada vez mais nus e nunca houve tão pouco erotismo. O rosto pornográfico não tem expressão nem mistério. Um corpo nu é um corpo nu. É a sexualidade sem mais. Aí, somos todos iguais. No que nos difere é que nasce o erotismo.
No inferno do igual, contra a violência do consenso, vestir, pensar, ritualizar é transformar.
Frente à coacção da conformidade higienista, amar é transgredir.
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